
PARQUE MAYER 100 ANOS - BOXE
9 de Julho, 2022
Texto: Yuri Lopes Pereira
Fotografia: Tiago Miranda
Video: Fillipe Coutiño, Marcel favery
O Parque Mayer voltou a ser palco de um evento de Boxe no dia 9 de Julho de 2022, no âmbito das comemorações dos 100 anos deste espaço mítico da cultura na capital portuguesa. O evento marcou o regresso da modalidade a um espaço onde era presença assídua nos anos 40 e 50 e mais tarde na década de 70.
Organizado por Pedro “Number One” Matos, com o apoio da Junta de Freguesia de Santo António, o evento foi composto por seis combates, cinco em Boxe Olímpico e uma luta profissional.
A tarde chega muito, muito quente. A vaga de calor que assola Lisboa faz prever uma sessão intensa, suada, e o ambiente das montagens do ringue e da transmissão em directo é assim curiosamente antigo – como se o próprio clima se prestasse às cores e temperaturas de um início de século turbulento e sedutor. Em câmara lenta, mas firme, ergue-se no Parque o contexto das quatro cordas. Chegam ao abrigo das sombras periféricas os primeiros curiosos, “vai haver Boxe outra vez?”, e depois as equipas e suas acompanhantes, os fiéis adeptos, os de sempre – o movimento pendular que durante tantos anos deslocou a nobre arte para longe do centro da cidade é agora invertido, faz-se de muitos mais a celebração interna da cultura. A hora avança, é possível o atraso.
A luz diagonal das sete da tarde transformou o espaço: Pedro Matos é o primeiro a dar voz na chamada à aproximação ao ringue, para uma homenagem sentida aos pugilistas que conheceram e viveram o que hoje se repete. Não estão todos e faltam nomes, um lugar assim acolheu demasiadas caras para o espaço contido das cerimónias, mas o ritual cumpre a função de invocar através das faces presentes a multidão invisível: Tony Rebelo, Orlando Jesus, António Mondim, Rialinho, Zé Diogo, Vitor Pires, Nelson Preto, Pedro Silva, Vitor Tola, Tony Guerreiro, Carlos Santos, João Faleiro, Paquito, Jorge Martins, José Tavares, Farinha Gouveia, Realinho, Vitor Pereira, José Gouveia, António Rodrigues, António Romano, e tantos outros de um tempo glorioso, difícil, imperfeito e agora mítico.
Ao microfone anuncia-se um novo ciclo, vai começar a sessão.
O Águias da Musgueira sobe ao ringue no primeiro combate, de exibição, entre Inês Carvalho e Daniela Januário. E de repente, sem aviso, cai o silêncio em todo o Parque Mayer – apenas sibilam os golpes de duas jovens atletas que ficarão para a história como as primeiras do século a demonstrar neste espaço o poder do Boxe. É pesada e tensa a ausência de som, confere ao nervosismo de uma e à exuberância de outra uma responsabilidade ainda maior – temem os adeptos pela falha, estão claramente estupefactos os que chegam agora à realidade do jogo do soco. Irresistível, o combate arranca da audiência um e outro incentivo tímido – depois convicto. Bernardino Ladeira, árbitro veterano e reflectido, conduz os movimentos até à celebração final e conjunta – está vencido o medo.















Os quatro combates seguintes são de nível técnico flutuante, com destaques vários: Luís Duarte, da Académica de Coimbra, apesar de vencido volta a demonstrar garra e força no combate com o ágil Paulo Jordão, do Vitória Nobre Arte. No confronto entre Biser Bekirov, do TTR, e José Silva, da Escola de Boxe Fernando Silva, prevalece o esforço e a determinação do primeiro. Na disputa entre Bruno Nogueira, também da EB Fernando Silva, e Pedro Jordão, da Paulo Seco Team, de realçar a coragem de ambos num combate sofrido e corajoso.
O duelo Olímpico entre Wilson Semedo e Farid Walizadeh demonstra o standard da técnica e foco pelo qual anseiam todos os atletas amadores: Anram Team e Paulo Seco Team, respectivamente em cada canto e através dos seus atletas, agraciam o Parque Mayer com uma exibição digna do desenvolvimento da modalidade na última década em Portugal.















O combate da noite está reservado para os profissionais Miguel Amaral e Ricardo Costa, a representar o Vitória Nobre Arte e o Águias da Musgueira.
Os catorze minutos que se seguem são de uma euforia crescente, de um ruído que nasceu do silêncio e agora se estende pelo entardecer urbano entre a Praça da Alegria e a Avenida da Liberdade. Ricardo Costa faz uma entrada dramática no recinto – o seu clube e a sua equipa têm uma noção singular do espectáculo que é necessário e nativo do Boxe. Miguel Amaral percorre o caminho até ao ringue sem outra banda sonora do que a emoção dos próximos, dos familiares, do Vitória.
O combate é conduzido pelo árbitro Orlando Jesus, conhecedor da casa, e começa forte e disputado. Lutam dois pugilistas experimentados, duros, homens cuja vida acrescenta carácter à sua prestação entre as cordas – ambos procuram o brilho único do momento final.
Miguel Amaral vence. É elevado por uma homenagem sentida que devolve o silêncio ao Parque, enquanto a noite cai e o calor nos lembra agora a promessa de um Verão longo. O recinto explode com a celebração derradeira e fica já na memória da cidade este regresso poderoso de um desporto ardente. Em cem anos cabe uma infinidade de histórias – a das lutas, com as mãos e o coração, vai continuar.